Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé. (v. 17)
Eu odiava de Romanos 1.17 a expressão “justiça de Deus”, pois aprendi a entendê-la filosoficamente como a justiça segundo a qual Deus é justo e castiga os pecadores e injustos. Eu não amava o Deus justo, que pune os pecadores; ao contrário, eu o odiava. Mesmo quando, como monge, eu vivia de forma irrepreensível, perante Deus eu me sentia pecador, e minha consciência me torturava muito. Eu andava furioso e de consciência confusa. Não obstante, teimava impertinentemente em bater à porta desta passagem; desejava com ardor saber o que Paulo queria dizer com ela.
Aí Deus teve pena de mim. Dia e noite eu andava meditativo, até que, por fim, observei a relação entre as palavras: “A justiça de Deus é nele revelada, como está escrito: o justo vive por fé”. Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: através do Evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a justiça passiva através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: “O justo vive por fé”. Então me senti como que renascido, e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente. Fui passando em revista a Escritura na medida em que a conhecia de memória, e também em outras palavras encontrei as coisas de forma semelhante: “Obra de Deus” significa a obra que Deus realiza em nós; “virtude de Deus” – pela qual ele nos faz poderosos; “sabedoria de Deus” – pela qual ele nos torna sábios.
Assim como antes eu havia odiado violentamente a frase “justiça de Deus”, com igual intensidade de amor eu agora a estimava como a mais querida.
M. Lutero